A crescente — e preocupante — paixão dos brasileiros pelas apostas on-line é facilmente constatada pelos números: uma pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que 52 milhões de pessoas no país já aderiram às bets (mais que toda a população da Argentina) e 48% desse público fez a sua primeira investida entre janeiro e julho deste ano. O carro-chefe do interesse são os palpites esportivos, mas o universo de possibilidades é grande. E ganhou uma variante de peso: a possibilidade de apostar em quem será o próximo prefeito de grandes cidades. O cassino eleitoral, que abriu as portas timidamente na disputa nacional de 2022, alcançou escala inédita: seis plataformas (Betano, Sportingbet, bet365, Superbet, Novibet e Bwin) oferecem o serviço em treze capitais, entre elas São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Fortaleza e Salvador, os cinco maiores colégios eleitorais do país.
Acostumados a acompanhar pesquisas com grande interesse, os brasileiros agora podem ver também como está cada concorrente a prefeito nos principais sites de apostas. A chave para identificar favoritos e azarões está na palavra odds (“chances”), usada para designar quanto a casa paga para cada real desembolsado pelo jogador caso o palpite se concretize. Na Betano, quem apostar 1 real na vitória de Eduardo Paes (PSD) no Rio ganha apenas mais 2 centavos de volta (veja o quadro). Tem explicação: o prefeito e candidato à reeleição tem quase 60% das intenções de voto e lidera com folga. Já a aposta em Eduardo Girão (Novo) para a prefeitura de Fortaleza renderia 45 reais por real investido, mas o senador tem 3% das preferências, segundo o Paraná Pesquisas. Embora a pontuação em sondagens eleitorais seja relevante, o valor das odds não obedece só a isso. As bets têm estatísticos, cientistas de dados e analistas de redes que avaliam múltiplos fatores até cravarem o valor. O fluxo de apostadores é irrelevante.
Se as casas de apostas têm a obrigação de divulgar as odds, os candidatos não têm a mesma liberdade. Isso porque esse tipo de propaganda, aos olhos do eleitor, pode ser confundida com as pesquisas eleitorais, que obedecem a regras legais. “Do lado de quem vota, as odds podem criar uma percepção de viabilidade eleitoral distinta da realidade”, afirma a cientista de dados e professora da FGV Rio Isabel Veloso. Ou seja, um candidato pode aparentar ter mais chances de vitória, um dos fatores que influenciam o voto do eleitor. Um exemplo: em São Paulo, também na Betano, Pablo Marçal (PRTB) tem odd de 1,80, enquanto Ricardo Nunes (MDB) está com 2,00 e Guilherme Boulos (PSOL), com 3,40 — mas os três estão empatados tecnicamente, segundo a última pesquisa Quaest.
Embora hoje seja permitido apenas indicar quem será o vencedor da eleição, há a preocupação de esse tipo de aposta ganhar variantes, como em outros países. “Se as apostas avançarem para quem vai brigar no debate, ou até partir para violência, pode haver uma mudança no comportamento dos políticos”, avalia Paulo Ramirez, cientista político da ESPM. O Reino Unido foi sacudido por um escândalo em junho, depois que pessoas próximas ao então primeiro-ministro, o conservador Rishi Sunak, foram acusadas de usar informação privilegiada para apostar que as eleições seriam antecipadas para julho, o que de fato ocorreu. Houve prisões, demissões e grande prejuízo à imagem de Sunak, que perdeu para o trabalhista Keir Starmer.
As plataformas que oferecem a vertente eleitoral estão ancoradas no limbo jurídico em que vive o país desde que as apostas de cota fixa (em que o apostador sabe quanto vai ganhar) foram legalizadas pelo presidente Michel Temer, em 2018. O cenário pode mudar em janeiro de 2025, quando passa a valer nova regulamentação do Ministério da Fazenda, mas isso não é certo. A legislação prevê que as apostas por quantia fixa podem abranger eventos esportivos, mas não diz expressamente que outros tipos de disputa são proibidos.
As apostas nas eleições são tratadas como “jogos tolerados” porque não entram na categoria de jogos de azar que são proibidos por lei, como cassinos, caça-níqueis e bingos. “Você só não pode oferecer o que está proibido na lei penal”, diz o advogado Fabiano Jantalia, que coordena a LegisMind, plataforma acadêmica de direito de jogos. Assim, cresce a necessidade de o poder público ser mais presente, rigoroso e célere na regulação, de forma a impedir o avanço desordenado da prática. Um dos efeitos colaterais sentidos neste momento é o impacto negativo no orçamento de muitas famílias e em setores tradicionais como o varejo. A expansão do cassino eleitoral ocorrida ao longo deste ano traz um desafio adicional às autoridades que deveriam cuidar do negócio.
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