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Lula ignora sinais de tempestade perfeita e intensifica campanha para 2026

A estratégia de comunicação do presidente Lula mudou desde a posse do marqueteiro Sidônio Palmeira no ministério, ocorrida há um mês. Retomando uma estratégia bem-sucedida empregada em seu segundo mandato, o petista iniciou uma agenda de viagens e de entrevistas pelo país com o objetivo de falar diretamente com a população e tentar pautar o noticiário. Já nas redes sociais, onde a oposição reina quase absoluta, ele adotou um estilo mais dinâmico e informal, compatível com a demanda por um tom menos solene. No domingo 9, publicou um vídeo interagindo com meninos e meninas — para começar o dia “com a fofura, o carinho e a sinceridade das crianças”, ressaltou na legenda. Na segunda 10, apareceu em outro vídeo, de tênis, short e camisa regata, para convidar as pessoas a fazerem como ele e adotarem a caminhada como hábito, em nome do bem-estar e da saúde pessoal. A guinada na forma é visível, mas o problema é outro: o conteúdo. Mesmo sob nova direção publicitária, o presidente continua tropeçando na própria língua, contribuindo para a ausência de rumo do governo e cultivando notícias negativas. Enquanto faltam resultados para apresentar, sobram sinais de tormenta econômica e política no horizonte.

O tamanho do desafio de gestão e de comunicação ficou mais uma vez evidente no caso da inflação dos alimentos, um dos motores do aumento da rejeição ao presidente. Lula postou numa rede social um vídeo, que tinha como cenário uma horta, para prometer empenho total na luta contra a carestia. Ele foi convencido por auxiliares de que não há medida mágica capaz de derrubar os preços e de que a queda do dólar e a supersafra brasileira ajudarão a aliviar a conta do supermercado. O presidente parecia trilhar um bom caminho até que numa entrevista delegou ao povo a tarefa de controlar a inflação: “Se você vai ao supermercado e desconfia que tal produto está caro, você não compra. Se todo mundo tiver consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter de baixar para vender, porque senão vai estragar”. Mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff, que não era propriamente aclamada pelo tirocínio político, censuraria essa declaração. Foi o que ela fez em 2014, quando, em campanha à reeleição, tachou de “extremamente infeliz” a fala de um auxiliar que recomendou à população substituir carne por ovo para driblar a inflação.

ESFORÇO - Haddad: luta quase solitária para equilibrar as contas
ESFORÇO - Haddad: luta quase solitária para equilibrar as contas (Pedro Gontijo/Agência Senado)

Além de dar munição à oposição, o presidente tem contribuído para as trombadas internas de sua equipe. Parlamentares, cientistas políticos e agentes econômicos debitam na conta de Lula a responsabilidade pela percepção generalizada de enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Had­dad, que luta quase sozinho para equilibrar as contas públicas. No fim do ano passado, Haddad conseguiu aprovar um pacote de contenção de gastos, inclusive com a adoção de um teto para a política de valorização do salário mínimo, mas o plano foi considerado insuficiente para conter o crescimento das despesas obrigatórias e da dívida pública. Visto como derrotado no caso, o ministro evitou reclamar do chefe, alegando que o presidente — ao vetar determinadas iniciativas — levou em consideração a dimensão social da questão e agiu para impedir que o ajuste recaísse apenas sobre as costas dos mais pobres. Apesar disso, diante da crise de credibilidade do governo na condução da política fiscal, Haddad declarou que novas medidas poderiam ser adotadas. Sob pressão da direita e da esquerda, o ministro sempre trabalhou com a ideia de fazer um ajuste gradativo e tentou fortalecer esse conceito. Faltou combinar com Lula, que afirmou de forma contundente, no fim de janeiro, não haver nova medida fiscal prevista para este ano.

NA GAVETA - Lewandowski: proposta do ministro para segurança não andou
NA GAVETA - Lewandowski: proposta do ministro para segurança não andou (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

Disciplinado, Haddad não polemiza em público. Nos bastidores, no entanto, reclama da versão de que está fraco e não poupa críticas ao chefe da Casa Civil, Rui Costa, apontado como o principal sabotador de seu trabalho. A disputa entre os dois é antiga, e Lula, como de praxe, deixa a rusga correr solta. Sob reserva, alguns dos mais importantes auxiliares do presidente dizem que essa rivalidade entre os dois ministros interdita o governo. No Congresso e na Esplanada, políticos afirmam que Rui Costa, o capitão do time, aquele que deveria coordenar os trabalhos, desune, tensiona e atrapalha o elenco. É o que está ocorrendo, por exemplo, na sensível área da segurança pública, que figura no topo das preocupações do eleitorado e é empunhada como bandeira pela direita. Desde que assumiu o Ministério da Justiça, Ricardo Lewandowski tem como prioridade a apresentação de uma “PEC da Segurança Pública”, que, além de fortalecer corporações como a Polícia Federal, daria ao governo um discurso para o embate com a oposição. Antes de uma reunião de Lula com os governadores para tratar do tema, Rui Costa disse ao presidente que era contra a PEC. E que não caberia trazer o problema da segurança — de competência dos estados, segundo a Constituição — para dentro do Palácio do Planalto.

ATRITOS - Rui Costa: o chefe da Casa Civil não é benquisto por vários colegas
ATRITOS - Rui Costa: o chefe da Casa Civil não é benquisto por vários colegas (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

A reunião ocorreu, Lula debateu com os governadores e Lewandowski fez ajustes na minuta do texto com base no que ouviu. Mesmo assim, a proposta ainda não foi sequer protocolada no Congresso. Nem será, se depender do irredutível Rui Costa. Não é um caso isolado. Prometida pelo presidente na campanha eleitoral de 2022 e novamente no ano passado, a Autoridade Climática continua engavetada devido a divergências entre o chefe da Casa Civil e a ministra de Meio Ambiente, Marina Silva. Nas negociações sobre a reforma ministerial, líderes do Centrão estão pressionando pela demissão de Rui Costa, repetindo uma sugestão que o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu a Lula ainda no primeiro semestre de 2023. Apesar da coleção de atritos e inimizades, o ministro continua firme no cargo e não foge de eventuais desgastes. Em mais um episódio ilustrativo da falta de entrosamento no governo, ele divulgou uma nota para negar a existência de um estudo sobre um possível aumento no valor do Bolsa Família. Foi uma resposta à entrevista na qual o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, deu a entender que o benefício poderia ser melhorado para neutralizar os efeitos da inflação dos alimentos.

arte Lula

À frente de uma das pastas mais cobiçadas, Wellington Dias não tem uma atuação destacada. No ano passado, sua demissão chegou a ser cogitada porque, segundo governistas, ele gera poucos dividendos de imagem para o presidente, mesmo com instrumentos poderosos à disposição, como o próprio Bolsa Família, cujo orçamento foi de 168,3 bilhões de reais em 2024. Antes esse fosse o seu único problema. O jornal O Globo revelou que ONGs contratadas pelo ministério para distribuir quentinhas nas ruas de São Paulo, ligadas a parlamentares do PT, não entregaram as refeições previstas em contrato com o governo federal. O dinheiro desembolsado para garantir marmitas a pessoas em situação de vulnerabilidade, como moradores de rua, foi embolsado sem a devida prestação do serviço. Após a divulgação do caso, o Ministério do Desenvolvimento Social acionou a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU) para apurar a suspeita de desvio de verba. Já o partido Novo pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) que investigue o caso e suspenda os repasses às ONGs. A respeito da denúncia, Wellington Dias disse que, se forem comprovadas as irregularidades, as devidas providências serão tomadas no caso.

Como se sabe, escândalos de corrupção abalaram governos anteriores do PT. Hoje, o tema ainda figura entre os principais problemas citados pelo eleitorado, conforme pesquisa divulgada pela AtlasIntel em parceria com a Bloomberg (veja o quadro). Lula considera a questão página virada, mas ela assombra o seu atual mandato. Relatório divulgado pela Transparência Internacional detectou um aumento da percepção pela população de que existe corrupção no Brasil. No ano passado, o país ficou na posição 107 entre 180 nações, a pior registrada desde o início do levantamento. Numa pontuação entre zero, que significa corrupção extrema, e 100, o auge da integridade, o Brasil marcou apenas 34 pontos, empatando, por exemplo, com Argélia e Nepal. Na rodada anterior, o país estava em 104º. Um dos motivos para a piora de desempenho foi o desmonte da luta contra a corrupção nos últimos anos. Titular da CGU, o ministro Vinicius Marques de Carvalho contestou a conclusão da Transparência Internacional. Ele reconhece a gravidade do problema, considera-o multifacetado e afirma que não existe uma bala de prata para resolvê-lo. Mas Carvalho também argumenta que muitas vezes a população coloca na conta da corrupção problemas que têm outras origens. “Olham para os serviços públicos eventualmente de baixa qualidade e dizem: ‘Isso aqui é assim por conta da corrupção’ ”. Desvio de verba de quentinha, obviamente, não se enquadra na tese do ministro.

DENÚNCIA - Dias: ONGs receberam o dinheiro, mas não entregaram marmitas a pessoas em situação de vulnerabilidade
DENÚNCIA - Dias: ONGs receberam o dinheiro, mas não entregaram marmitas a pessoas em situação de vulnerabilidade (Roberta Aline/MDS/.)

Os problemas não param por aí. Transcorrida a metade do terceiro mandato de Lula, a rejeição aos principais nomes do governo cresceu de forma considerável. De acordo com a pesquisa da AtlasIntel/Bloomberg, Lula tem uma imagem positiva para 42% dos entrevistados, e negativa para 51%. Fernando Haddad ostenta números parecidos (42% e 52%). Já a primeira-dama da República, Rosângela da Silva, tão empenhada em “ressignificar” sua função e conquistar protagonismo, colheu um resultado bem pior: 32% de imagem positiva e 58% de negativa. Janja, que representou o governo brasileiro numa reunião do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, na Itália, onde se encontrou com o papa Francisco, tem a imagem muito mais arranhada do que a de Jair Bolsonaro (38% positiva e 57% negativa) e a da ex-primeira-dama Michelle (42% positiva e 52% negativa). Apesar de diferentes pesquisas mostrarem que a reprovação ao trabalho do presidente e do governo superou, pela primeira vez, a aprovação, Lula continua liderando as pesquisas de intenção de voto para a próxima corrida presidencial, mas vários candidatos de oposição se mostram competitivos. Em alguns cenários, inclusive, Lula aparece em empate técnico com o segundo colocado.

O petista, como admitem seus próprios aliados, tem pouca ou quase nenhuma gordura para queimar. Nada que o impeça de colecionar tropeços. Na segunda 10, Lula criticou prefeitos que elogiam a educação pública, mas matriculam os filhos em instituições de ensino particulares. Numa solenidade oficial, ele disse que o país só dará certo no dia em que a classe média voltar para a escola pública. Com a declaração, o presidente confrontou o próprio histórico familiar, já que quatro de seus filhos estudaram em escola particular na década de 1990. Foi mais uma bola fora do outrora craque da política. E o jogo vai ficar mais duro. Haddad já avisou o presidente de que o crescimento em 2025 será menor do que no ano passado, algo entre 2% e 2,5%, mas que isso será importante para debelar a inflação e pavimentar o caminho para um novo impulso do PIB em 2026, ano eleitoral. Resta saber qual será o impacto dessa desaceleração no bolso do eleitorado. Há temor de que Lula possa apelar para o populismo e iniciativas eleitoreiras a qualquer sinal de maior desgaste.

REPROVADA - Janja com o papa Francisco: imagem negativa apesar do esforço
REPROVADA - Janja com o papa Francisco: imagem negativa apesar do esforço (@janjalula/Instagram)

Decisões equivocadas, problemas na economia, tropeços políticos, corrupção, falta de sintonia entre os ministros. Por enquanto, certa mesmo só a reformulação na estratégia de comunicação, centrada na autopromoção do presidente, que, às vezes, parece alheio à realidade. Numa mensagem publicada na quarta 12, Lula disse que tem dois anos “primorosos” pela frente, os mais importantes da vida dele, nos quais precisa entregar tudo aquilo que prometeu. Precisa mesmo. Se quiser recuperar prestígio, o presidente tem de lacrar, engajar, influenciar e ganhar likes não só nas redes sociais, mas principalmente no exercício da função para a qual foi eleito. Caminhar na direção correta seria um bom começo.

Colaboraram Laryssa Borges e Marcela Mattos

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