O pedido de voto do presidente Lula (PT) no seu pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), durante o evento do 1° de Maio expôs fraturas na base de apoio do petista no Congresso Nacional e dificuldades para 2026.
Enquanto o PT e siglas de esquerda apoiam Boulos, o arco de partidos que sustenta Lula em Brasília se divide também nas candidaturas adversárias, do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e de Tabata Amaral (PSB).
A aliança de Nunes deve reunir ao menos 11 partidos –7 deles fazem parte da base do petista, com 11 ministérios. Na quarta-feira (1º), líderes de parte dessas siglas, como MDB, União Brasil, PP e Solidariedade, repudiaram publicamente a atitude do presidente.
Já o PSB ocupa a Vice-Presidência da República com Geraldo Alckmin, que estava no palanque quando o petista pregou voto em Boulos e, horas mais tarde, participou de evento promovido por Tabata.
Lula foi acusado por partidos da base e de oposição de propaganda eleitoral antecipada, o que pode render uma multa ao petista. Além do MDB, outras legendas, como o PSDB e o Novo, levaram o caso à Justiça Eleitoral.
Na quinta (2), Nunes afirmou “ser triste um presidente se submeter a um papel desse”. “É como se estivesse abrindo uma guerra contra mim.” O prefeito disse ainda que é preciso ter “certa civilidade” e não utilizar a máquina pública. “É o que deixa a gente bem triste, sabe? Porque é uma pessoa experimentada, deveria ter um pouquinho de respeito”, declarou sobre Lula.
Embora as críticas ao presidente sejam gerais, com a avaliação de que ele ultrapassou o limite da lei eleitoral ao usar um evento institucional como palanque para Boulos, os partidos que integram o governo federal e apoiam Nunes se dividem entre elevar o tom contra o petista ou dissociar a eleição municipal e o cenário nacional.
No ato organizado pelas centrais sindicais, na zona leste, Lula disse que o pleito paulistano seria uma “verdadeira guerra”, se referiu a Nunes como “nosso adversário municipal” e pediu para que seus eleitores votassem em Boulos.
“Ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo nas próximas eleições”, disse Lula. “Vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula em 89, em 94, em 98, em 2006, em 2010, em 2018… 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo.”
A legislação eleitoral impõe restrições à propaganda na chamada pré-campanha e proíbe pedido de voto. Advogados consultados pela Folha afirmaram ver indícios de ilícito eleitoral na fala de Lula, que ficaria sujeito a multa de R$ 5.000 a R$ 25 mil. A propaganda eleitoral será permitida somente após o dia 16 de agosto.
Apesar das reclamações públicas, a pré-campanha de Boulos mantém a estratégia de vincular Nunes a Jair Bolsonaro (PL) e alertar para o que chama de risco bolsonarista na capital paulista. O discurso é alinhado com o PT.
A equipe do deputado acompanha os desdobramentos jurídicos do caso, mas minimiza as críticas e, apesar do esvaziamento do ato de 1º de Maio (motivo de queixa inclusive de Lula), diz que o episódio teve dois pontos benéficos: ajudou a difundir a informação de que Boulos é apoiado pelo presidente e resultou em divulgação espontânea da pré-candidatura.
Já aliados de Nunes afirmam que Lula agravou seu problema de governabilidade ao afrontar partidos da base e a eleição em São Paulo pode virar moeda de troca no Congresso. As reclamações públicas e as ações eleitorais foram vistas como uma ameaça para que o petista não repita o erro político.
Na semana anterior, um jantar de presidentes dos partidos que apoiam Nunes sinalizou para a oposição a Lula em 2026. Agora, após o 1º de Maio, a leitura de alguns desses líderes é a de que o presidente deu motivo para um eventual desembarque.
Vice-presidente do Solidariedade, Paulinho da Força afirmou ao Painel que Lula está criando dificuldades para o próprio governo.
“Ele fica pregando esse ódio, [ele diz] ‘esse é o nosso adversário, nós contra eles, melhor aqui é o Boulos’. Como ele despreza os partidos que estão na base dele? Depois como ele pede voto no Congresso, à medida que trata todo mundo como adversário? Se é adversário aqui [em São Paulo], também vai ser lá”, disse.
Milton Leite, presidente da Câmara dos Vereadores e principal nome da União Brasil em São Paulo, falou ao Painel que poderia reavaliar a relação com o governo federal. “Nas cidades temos vários aliados do Congresso que agora estão sendo chamados de adversários”, disse.
Ciro Nogueira, presidente do PP, descreveu o pedido de voto como “absurdo cometido contra a democracia e o povo de São Paulo pelo presidente da República e o candidato Boulos”. “Se eles começam a descumprir a lei já agora, imagine o que pode acontecer?”, questionou.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, também divulgou uma nota crítica a Lula, mas o emedebista, assim como líderes de outros partidos consultados pela Folha, diz que o embate em São Paulo não deve ter reflexos em Brasília.
Apesar do apoio de Bolsonaro a Nunes, não interessa para os emedebistas, ao contrário dos petistas, nacionalizar a eleição.
“O presidente da República foi a São Paulo com a estrutura do governo para fazer campanha eleitoral contra o MDB, partido com três ministros que têm feito um trabalho exemplar para o país. Respeitar a lei eleitoral é respeitar a democracia. O chefe da nação deveria dar o exemplo. […] No Congresso Nacional, nossos 44 deputados e 11 senadores têm tido uma ação colaborativa-propositiva”, diz a nota de Baleia Rossi.
À reportagem ele afirma que o MDB não vai antecipar 2026 nem remoer o passado. “O que queremos é mostrar que Nunes é um democrata, com entregas reconhecidas. Queremos fazer o debate do município.”
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, afirmou ao Painel que “é errado misturar as coisas”. “Nem o presidente Lula nem o PT tem de abrir mão de apoiar candidatos nas eleições municipais para manter a relação com partidos aliados no Congresso.”
Na quarta, o ministro do Empreendedorismo, Márcio França (PSB), aliado de Tabata, disse que Lula tem muita experiência e não faz nada à toa. França esteve no evento da deputada, mas não compareceu ao ato das centrais sindicais por não ter sido convidado, segundo seu gabinete.
“Quando ele faz, ele está pensando em alguma coisa, aí a gente vai depois às vezes descobrir lá na frente [o objetivo]”, afirmou.
França disse ainda que “de jeito nenhum” o PSB seguiria o exemplo dos partidos que acionaram a Justiça contra Lula e Boulos. Tabata afirmou que a equipe jurídica ainda analisava o caso, mas a decisão foi a de não tomar nenhuma providência, dada a proximidade da legenda com o governo.