A Justiça Federal condenou, na última terça-feira (24), quatro acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de operar instituição financeira ilegal no mercado de seguros privado, sem a devida autorização da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e regulamentação do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP).
Erick Oliveira, Ellida Oliveira, Amarildo Batista e Kennedy Souza foram acusados de oferecer um negócio jurídico enganoso denominado “proteção veicular”, com características de contrato de seguro, por meio da empresa Autoclube de Benefícios VIP, de nome fantasia Autovip – Associação Veicular. Segundo as investigações, as atividades ilícitas ocorreram em Campina Grande, na Paraíba, e nas cidades de Caruaru, Cachoeirinha e São Caetano, em Pernambuco.
Ainda como forma de mascarar a participação na direção da empresa, utilizaram laranja e criaram empresas que prestariam serviços terceirizados como forma de distribuir os lucros para os sócios ocultos. Dados apontam que a AutoVIP movimentou, ao menos, R$9 milhões entre os anos de 2017 e 2023, além de possuir uma carteira com aproximadamente oito mil clientes distribuídos entre os estados da Paraíba e Pernambuco.
Risco ao sistema financeiro – Na ação penal recebida pela 14ª Vara Federal da Paraíba em junho de 2023, o MPF pediu a condenação dos denunciados por gestão ilegal e temerária de instituição financeira, publicidade falsa e cobrança indevida de taxa. De acordo com a ação, para captação de seus clientes, os acusados divulgavam o serviço enganoso em mídias sociais e na internet, apelando para terminologias próprias de contrato de seguro, além de manterem em erro os investidores, sonegando informações sobre a operação financeira real e prestando informações falsas.
Na denúncia, o procurador da República Tiago Misael de Jesus Martins ressalta duas medidas de gestão temerária adotadas na condução da empresa: a ausência de fundo de reserva para prover as perdas dos clientes; e a não convocação de reunião da assembleia de clientes. Para Misael, esses fatos demonstram que a Autovip dependia da receita ou da entrada de novos associados para pagar os valores dos sinistros, uma vez que não tem fundo de reserva, colocando em risco a integridade do mercado financeiro, uma vez que a empresa está “à margem da lei e as cláusulas dos contratos que exigem dos clientes o pagamento de taxas de adesão e mensalidades configuram cobrança indevida”.
Operação irregular e fraudulenta – A Justiça Federal reconheceu que, embora não tivesse autorização da Susep, a Autovip tinha como objetivo a comercialização de seguros privados, o que caracteriza o crime previsto no artigo 16 da Lei nº 7.492/86. De acordo com o artigo 24 do Decreto nº 73/66, somente sociedades anônimas e cooperativas devidamente autorizadas podem operar seguros privados. A Autovip foi constituída como associação civil de ‘socorro mútuo’, o que não permitiria obter autorização da Susep para operação. “Evidente, portanto, que a associação privada foi constituída a fim de se furtar à fiscalização da SUSEPE, estando em franca condição de vantagem em relação aos concorrentes que atuam regularmente na atividade, o que coloca em risco integridade do mercado financeiro”, afirma trecho da sentença.
A gestão fraudulenta da instituição financeira, crime previsto no artigo 4º, parágrafo único da Lei nº 7.492/86, também foi constatada na sentença. “Consoante apurado, a instituição Autovip, embora atuando como seguradora veicular, não adota práticas de gestão patrimonial que assegurem a viabilidade do empreendimento, dado que há nenhum fundo de garantia ou reservas, necessárias para cobertura de sinistros e para assegurar que não haverá incapacidade de arcar com os contratos. O regulamento interno da Autovip afirma apenas que tais despesas viriam especificamente das taxas pagas pelos próprios segurados, o que revela condução de negócio fadado à falência e inviabilidade de pagamento”, declarou a Justiça.
Indução a erro e cobrança indevida – Outro crime que a Justiça Federal reconheceu, a partir da denúncia do MPF, foi o de induzir e manter sócios em erro utilizando informações falsas, conforme o artigo 6º da Lei nº 7.492/86. A Autovip captava clientes por meio de ampla divulgação na internet, utilizando-se de terminologias próprias de contrato de seguro. Há, inclusive, postagens nas quais referencia-se à empresa como ‘seguradora’, e que cobriria ‘sinistros’, divulgando ‘planos de cobertura’ – terminologias próprias do ramo de seguros privados.
Além disso, a sentença também considerou que a operação da Autovip também caracterizava o crime de exigir, em desacordo com a legislação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, previsto no artigo 8º da Lei nº 7.492/86. Os associados eram obrigados a remunerar a Autovip mediante o pagamento de uma parcela mensal fixa, denominada de ‘taxa de administração’, para cobertura de despesas da associação (por exemplo, aluguel, folha de pagamentos, água, luz) e uma remuneração variável, decorrente do rateio dos acidentes. O regulamento interno do programa de ajuda mútua da Autovip previa taxa inicial de pagamento e, depois, pagamentos mensais à entidade. “Tal forma de remuneração, por sua vez, contraria as regras que regem a operação de seguros privados, que limita a remuneração ao pagamento do prêmio pelo contratante”, explica trecho da sentença judicial.
A Justiça Federal fixou o valor mínimo da reparação devida em R$ 9 milhões e condenou Erick Oliveira e Ellida Oliveira a dez anos e seis meses de reclusão; Amarildo Batista a oito anos de reclusão e Kennedy Souza a duas penas restritivas de direito, ambas consistentes na prestação de serviços à comunidade.