Desde que assumiu o governo, Lula tem buscado caminhos para tentar se aproximar do eleitorado evangélico. O presidente passou a usar termos como “Deus”, “fé” e “milagre” nos pronunciamentos oficiais, pediu aos parlamentares do PT que se afastassem o máximo possível das discussões públicas de temas polêmicos como aborto e drogas e ampliou a isenção de impostos das igrejas. Esses acenos, ao que parece, produziram alguns resultados. Segundo pesquisa da Genial/Quaest, 62% dos evangélicos avaliavam em fevereiro o governo como ruim ou péssimo. No último levantamento, divulgado na quarta-feira 10, a rejeição caiu para 52% — um recuo considerável, mas ainda um índice muito superior à média geral de desaprovação do presidente, que é de 43%. Ainda sem uma fórmula definida para superar as resistências, Lula tem procurado driblar as lideranças religiosas mais hostis e se aproximado de fiéis com potencial de influenciar opiniões, especialmente nas redes sociais, como a vereadora goiana Aava Santiago.
Apresentada como uma expressão da “esquerda evangélica”, Aava foi convidada pela primeira-dama Janja para uma reunião com Lula no Palácio do Planalto. Se ela vai conseguir ajudar a romper a barreira de rejeição que separa o presidente da maioria dos mais de 70 milhões de evangélicos do país, não se sabe. Mas, se o objetivo era polemizar, a vereadora foi bem-sucedida. No encontro, Aava disse que a estratégia do governo para tentar se aproximar dos religiosos estava equivocada, que era preciso conversar diretamente com as bases e que acenos como a ampliação da isenção de impostos só beneficiariam determinados grupos. Quais grupos? “As igrejas que têm empresas, que possuem editoras, rádio, televisão, os pastores que gostam de fazer negócios.” E quem são eles? “São aqueles adesistas. Aqueles que apoiaram Bolsonaro, mas já apoiaram Lula, Dilma, Temer, Fernando Henrique… Os magnatas da fé.” Na conversa com Lula, dois desses personagens tiveram nome e sobrenome citados.
Aava recomendou ao presidente que deixe de lado esses líderes evangélicos tradicionais, que vá às igrejas e tente conversar diretamente com os fiéis. “Eu falei para ele: ‘Enquanto o senhor Silas Malafaia, o Valdemiro Santiago e essa turminha, que não passa de dez, têm avião particular para ficar batendo perna, a minha igreja e centenas de outras precisam vender carnê se quiser comprar um carro novo. Estamos neste momento, por exemplo, vendendo carnê para reformar o prédio para nosso aniversário de 50 anos do ministério’ ”, disse a vereadora a VEJA. Líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a maior das ramificações evangélicas do país, que tem mais de 200 000 fiéis, o pastor Silas Malafaia rebateu: “Em primeiro lugar, quem é ela? O que ela representa? O desespero de Lula é tão grande que ele pega uma vereadora, que não é nem um senador, nem um deputado federal, para servir de voz para atacar os pastores. Essa moça é um zero à esquerda. Vou processá-la”. Valdemiro Santiago, o outro “magnata da fé” citado pela vereadora, não quis se pronunciar.
Eleita pelo PSDB, Aava participou da campanha de Lula e integrou o governo de transição. Filha de pastores da Assembleia de Deus em Santíssimo, uma das muitas ramificações evangélicas, ela cresceu em uma comunidade controlada pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro, de onde a família se mudou mais tarde para fugir da violência — é por isso que a vereadora se autodenomina uma “malocrente” (maloqueira e crente). Em Goiás, ganhou notoriedade depois de gerir um programa estadual que concedeu passe livre aos estudantes. Candidata em 2020, foi eleita para a Câmara de Vereadores de Goiânia. Em 2022, disputou, sem sucesso, uma vaga de deputada federal. O Ministério Público Eleitoral acusa a tucana de irregularidades na campanha, o que ela nega, e pede a devolução de 873 000 reais aos cofres públicos. Os procuradores apontaram inconsistências na prestação de contas, incluindo gastos com 104 latas de cerveja e 50 litros de chope — bebidas que teriam sido compradas para um evento de arrecadação de fundos.
Casada e mãe de um filho, Aava Santiago, 34 anos, é socióloga, defende pautas tradicionalmente de esquerda e também é atuante nas redes sociais. Mais de 112 000 seguidores acompanham sua rotina em publicações que a mostram portando cartazes com mensagens contra a homofobia e imagens cotidianas como a de um passeio em que anuncia estar usando um “lookinho bem Madalena”. Em um post um pouco menos discreto, a vereadora apareceu sentada na cama, de camisola, ao lado da seguinte legenda: “Quando o feminismo for legalizado serão comuns as cenas de dois belos homens levando café na cama pra uma grande gostosa antes dela sair para conquistar o mundo e tomar o poder”. Depois da reunião com Lula, as opiniões sobre Aava se dividiram. “Eu recebi muitas críticas, mas também muito apoio. Há uma parcela muito significativa de crentes que estava se sentido oprimida dentro das igrejas por causa de um bolsonarismo quase impositivo”, disse. Chamar atenção ela já conseguiu.